Motorista de app deve embarcar passageiro embriagado? Entenda

Advogada explica que o ideal é levar o cliente a um serviço médico e alertar a polícia. Em MG, uma jovem foi estuprada após ser deixada na rua desacordada por um condutor

Erika Santos – Redação Folha Vitória

Motorista de app recebeu ajuda de um motociclista para colocar a passageira sentada no meio-fio

O motorista de aplicativo que abandonou uma passageira de 22 anos desacordada em frente ao prédio dela, em Belo Horizonte (MG), vai responder por abandono de incapaz. Ao ser deixada na rua, a jovem foi abordada por um homem, que a levou para um lugar ermo e a estuprou. O caso ganhou repercussão nacional e abriu uma discussão: afinal, qual é a responsabilidade dos condutores de app ao transportar clientes embriagados?

O crime aconteceu na madrugada do dia 30 de julho, no bairro Santo André. O suspeito da violência sexual negou o ato na polícia, mas foi indiciado por estupro de vulnerável no último dia 9 de agosto.

Ouvida pelo Folha Vitória, a advogada Menara Coutinho Carlos de Souza, mestre em Segurança Pública que atua no Direito Criminal, explica que, em casos assim, motoristas de aplicativo devem conduzir o passageiro em segurança até um serviço de saúde e informar as autoridades.

“O motorista de aplicativo não deveria ter aceitado realizar corrida com uma pessoa bêbada ao ponto de não conseguir se comunicar quanto ao endereço exato onde mora, não conseguir se locomover sozinha, ou com risco de perder a consciência e passar mal durante o trajeto, especialmente se tratando de uma mulher”, explicou a advogada.

Segundo ela, caso decidisse aceitar alguém nessas condições em seu carro, o motorista deveria exigir que estivesse acompanhada por um responsável capaz de responder por si e cuidar da pessoa incapaz.

“O indicado é que conduzisse a jovem até dentro de um hospital ou UPA e acompanhado até que fosse atendida por um profissional da saúde identificado, fazendo questão de relatar o ocorrido ao corpo médico, que testemunharia a respeito da condição de saúde em que foi entregue”, pontua.

A jurista orienta que caso não consiga localizar ou não tenha condições de ir a um hospital ou UPA próximo, o recomendado é que o motorista ligue para o Samu (192) ou para a polícia (190), contando a situação e solicitando ajuda imediata, permanecendo junto da pessoa incapaz até ser atendida pelas autoridades.

Jovem embarcou no carro sozinha

De acordo com a investigação, horas antes do estupro, a jovem foi a um show, onde fez consumo de bebida alcóolica. Ela embarcou sozinha no carro de aplicativo, chamado por um amigo, para levá-la até a casa dela.

Imagens de uma câmera de segurança mostram que o carro chegou ao endereço da vítima às 3h do dia 30 de julho deste ano, onde o irmão dela dormia e não teria ouvido o interfone.

Um motociclista que passava pelo local ajudou o condutor do carro a colocar a passageira sentada no meio-fio enquanto tentava falar no interfone. O motorista foi embora às 3h17.

Cinco minutos após o condutor deixar o local, um homem surge caminhando pela rua, pega a jovem e a leva para um outro local, onde o estupro é cometido.

Suspeito de estupro carregou a jovem de 22 anos após ela ser deixada na rua de madrugada

O suspeito, de 47 anos, chegou a ser preso preventivamente e negou o crime. Em seu depoimento, disse que teria levado a jovem para um lugar seguro.

“A pena para estupro, via de regra, é de 6 a 10 anos de reclusão, mas quando a vítima está embriagada, sem o necessário discernimento para a prática do ato ou sem poder oferecer resistência, o crime se chama estupro de vulnerável, e a pena passa a ser de 8 a 15 anos de reclusão”, destacou a advogada.

Já o motorista de aplicativo foi suspenso pela empresa que administra o serviço após o crime.

A delegada Danúbia Quadros, que investigou o caso, descartou a responsabilidade criminal do amigo que chamou o carro de aplicativo para a jovem e do motociclista que ajudou o motorista a retirá-la do veículo e deixá-la sentada no meio-fio. Mas o condutor que atendeu a mulher vai responder pelo crime de abandono de incapaz:

“O estupro de vulnerável foi comprovado, inclusive por laudo pericial. Ficou muito evidente que o motorista abandonou essa jovem, que estava desacordada, na porta de casa. Então, é um crime que se enquadra, uma conduta que se enquadrou perfeitamente no crime de abandono de incapaz”, disse a delegada à imprensa.

Entenda as consequências jurídicas em casos assim

No geral, qual a responsabilidade de um motorista de aplicativo que embarca uma pessoa bêbada dentro do carro? E da empresa?

Menara Coutinho Carlos de Souza – O motorista de aplicativo tem a responsabilidade pelo transporte seguro da pessoa bêbada ou incapaz até seu destino, podendo responder pelo que acontecer com ela durante o percurso ou mesmo após o fim do trajeto, como no caso da jovem.

A empresa de aplicativo, enquanto intermediadora do serviço, pode ser responsabilizada civilmente pelos danos sofridos pela jovem, podendo ser condenada a pagar indenização pelos danos morais sofridos, já que deveria orientar seus motoristas a como agir e se prevenir em situações do gênero.

 

Menara Carlos de Souza é advogada

Como ele deveria ter procedido? Ter deixado a jovem em frente a uma UPA ou hospital?

Em primeiro lugar, o motorista de aplicativo não deveria ter aceitado realizar corrida com uma pessoa bêbada ao ponto de não conseguir se comunicar quanto ao endereço exato onde mora, não conseguir se locomover sozinha, ou com risco de perder a consciência e passar mal durante o trajeto, especialmente se tratando de uma mulher.

Afinal, lamentavelmente, as mulheres são mais vulneráveis a situações de risco nas ruas, podendo ser alvos mais fáceis. Inclusive, caso as câmeras de segurança não tivessem registrando o responsável pelo estupro, esse motorista poderia estar passando por uma acusação muito mais severa.

Caso decidisse aceitar alguém nessas condições em seu carro, o motorista deveria exigir que estivesse acompanhada por um responsável capaz de responder por si e cuidar da pessoa incapaz.

Em hipótese alguma, o motorista deveria ter deixado a jovem em frente a qualquer lugar, pois estando na rua correria riscos onde quer que fosse.

O indicado é que conduzisse a jovem até dentro de um hospital ou UPA e acompanhado até que fosse atendida por um profissional da saúde identificado, fazendo questão de relatar o ocorrido ao corpo médico, que testemunharia a respeito da condição de saúde em que foi entregue.

É muito importante também documentar que foi o responsável por acompanhá-la até o local em segurança, enquanto designava sua função de motorista de aplicativo.

Caso não consiga localizar ou não tenha condições de ir a um hospital ou UPA próximo, o motorista deve ligar para o Samu (192) ou para a polícia (190), contando a situação e solicitando ajuda imediata, permanecendo junto da pessoa incapaz até ser atendida pelas autoridades públicas, lembrando de documentar que foi o responsável por entregá-la em segurança às autoridades ou médicos a fim de se resguardar.

O motorista de aplicativo envolvido no caso foi indicado por abandono de incapaz. O que isso significa?

Significa abandonar pessoa que está sob seu cuidado, guarda, vigilância ou autoridade, e, por qualquer motivo, incapaz de defender-se dos riscos resultantes do abandono. A pena, neste caso, é de reclusão, de um a cinco anos, já que o abandono resultou no estupro.

Texto publicado originalmente em: https://www.folhavitoria.com.br/geral/noticia/08/2023/motorista-de-app-deve-embarcar-passageiro-embriagado-entenda

Autor(a)

Menara Coutinho Carlos de Souza

Advogada graduada pela Universidade Vila Velha (UVV), atuante em direito previdenciário com MBA pela IEprev, e especialista em Direito e Processo do Trabalho.

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